Texto: Janaina Couvo T. M. de Aguiar
Durante todo o mês de setembro, seguindo
até o mês de outubro, são realizadas nos terreiros de Umbanda e Candomblé, ou
nas casas dos devotos, as festas dedicadas a São Cosme e São Damião. Trata-se de uma devoção secular, trazida para
o Brasil pelos portugueses, e que logo encontrou adeptos em toda parte. Em Pernambuco, na região de Igaraçu, foi
construída em 1535 uma Igreja dedicada a estes santos, considerada por muitos
estudiosos como um dos primeiros templos católicos do país.
A HISTÓRIA DOS SANTOS
Cosme e São
Damião eram gêmeos e pertenciam a uma família nobre, no século III. Estudaram medicina na síria e logo que
concluíram seus estudos passaram a praticar na região de Egéia e de toda a Ásia
Menor. Na realização do seu trabalho
eles não aceitavam dinheiro, sendo considerados anargiros, ou seja, “inimigos do dinheiro”.
Uma outra
característica do trabalho dos irmãos
médicos era que eles, sempre que atendiam, enfatizavam o nome de Jesus Cristo ,
o que despertou a atenção dos governantes locais. Em relação a morte de Cosme e
Damião existem muitas versões, sem comprovação histórica. Contam que
eles foram jogados ao mar, mas sobreviveram. Depois foram queimados vivos e até apedrejados, porém,
“milagrosamente”, eles eram salvos. Por último, foram decaptados em 27 de
setembro de 287.
No
local foram registrados, após a morte dos irmãos médicos, muitos milagres
relacionados à cura de determinadas doenças.
O Imperador Justiniano também foi curado de uma enfermidade, o que fez
com que ele mandasse erguer duas grandes Igrejas dedicadas a eles. Em Roma, o Papa Félix IV mandou construir
uma Basílica dedicada a São Cosme e São Damião.
Entre os católicos,
estes santos são protetores dos médicos, farmacêuticos e das crianças.
A DEVOÇÃO E A FESTA
Em
várias regiões do país encontramos famílias que são devotas de São Cosme e Damião
e muitas estão associadas à presença de gêmeos.
Assim, é costume a distribuição de doces e demais guloseimas em
sacolinhas com a imagem dos santos para as crianças, que saem às ruas visitando
as casas onde acontecem as festividades.
Além desta distribuição, alguns também servem comidas e bebidas, como
bolos, refrigerantes e o caruru.
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A ceia para as crianças Foto: Janaina Couvo |
Esta
última comida também é servida nos terreiros de Umbanda e Candomblé, quando as
festas são dedicadas aos Vunjis, Ibêjis ou Erês, divindades infantis que foram
sincretizadas com os Santos Cosme e Damião.
Na
África de língua yoruba, segundo o pesquisador Vivaldo da Costa Lima, existe a
devoção aos Ibêjis, divindades que as famílias cultuam quando existem
gêmeos. Logo que nascem, o pai procura
um Babalaô[1]
com o intuito de receber as orientações para a obrigação religiosa que deve ser
feita a estas divindades. E ainda, manda
esculpir, na madeira, duas pequenas estátuas, representações dos ibêjis, que
irão acompanhar as crianças por toda a vida.
Estas são enfeitadas com roupas e demais adereços, recebendo todas as oferendas.
As mulheres, de acordo
com o autor, quando têm gêmeos, é costume saírem de casa em casa, dançando e
pedindo donativos para a festa destas divindades, seguidas dos tocadores de atabaque.
[2]
É importante ressaltar que algo muito semelhante acontece no Brasil durante o
período que antecede o dia 27 de setembro, quando em alguns terreiros os
adeptos saem às ruas, com a imagem de Cosme e Damião pedindo contribuições para
a realização da festa.
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A mesa de doces e bolos para a festa dos erês Foto: Janaina Couvo |
E
esta cerimônia religiosa é caracterizada como uma festa de crianças, com a
presença de muitos doces, bolos, brinquedos e, no nordeste brasileiro, o
concorrido caruru, que tem como principais elementos o quiabo, camarão,
castanha de caju, amendoim, azeite de dendê e outros tantos condimentos, atraindo
um público considerável aos terreiros. O
Antropólogo Raul Lody ressalta que, além do Caruru, outras comidas também são
servidas neste ritual, como a farofa de dendê, legumes cozidos, frangos,
bananas fritas, acarajés, abarás entre outras. [3]
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A comida que é servida às crianças durante a ceia Foto :Janaina Couvo |
Em torno desta
“alimentação ritual” encontramos um elemento importante das
religiões afro-brasileiras: a socialização entre os adeptos, visitantes e a
comida. Na grande maioria dos rituais
dos terreiros, a alimentação se faz presente, integrando divindades e pessoas que,
neste momento, participam direta ou indiretamente da cerimônia.
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As crianças comem e recebem doces e bolos durante o ritual Foto: Janaina Couvo |
A “Ceia de Cosme e Damião” corresponde a um destes
momentos, em que encontramos a presença significativa de crianças entre os
principais freqüentadores deste ritual.
Existe a integração entre as pessoas que vão assistir a festa, os
adeptos e as crianças, que, maravilhadas com a quantidade de doces e de
brinquedos, ficam encantadas. Alguns
adeptos incorporam os Ibêjis, tornando a festa mais agitada. Observa-se o cuidado dos demais integrantes
do grupo religioso, no que diz respeito ao controle dos ibêjis e das crianças
durante a cerimônia. É servido o caruru
seguido de outras iguarias e, para encerrar a festa, a entrega das sacolas com
doces e brinquedos.
Percebe-se que, em
alguns lugares onde o terreiro está inserido, a comunidade toda participa, expressando
uma integração importante na formação de qualquer grupo religioso. Desta forma, em torno do caruru de Cosme e Damião,
que também se faz presente na capital sergipana, durante todo o mês de setembro,
é possível encontrarmos em diversos terreiros de Umbanda e Candomblé, assim
como em algumas residências, ceias e distribuição de doces em várias partes da
cidade. Os devotos que não podem oferecer o caruru durante o mês de setembro
oferecem até o dia 26 de outubro, dia em que também são celebrados os santos
gêmeos: São Crispim e São Crispiniano.
E VIVA COSME E DAMIÃO!!
E VIVA OS ERÉS, IBEJIS , VUNJIS!!!
[1]
O Babalaô é o sacerdote que conhece o futuro através do jogo de Ifá (búzios)
[2]
LIMA, Vivaldo da Costa. Cosme e Damião – o culto aos santos gêmeos no Brasil e
na África. Salvador: Corrupio, 2005, p.24.
[3]
LODY, Raul. Ibêjis, orixás gêmeos e infantis. IN: O Povo do Santo- religião,
história e cultura dos Orixás, voduns, Inquices e Caboclos. Rio de Janeiro:
Pallas, 1995, p.244-245.